Ultrafiltro

Em matemática, especialmente na Teoria da ordem e na Teoria de conjuntos, um ultrafiltro é um filtro próprio maximal, ou seja, um filtro próprio que não está estritamente contido num outro filtro próprio. Ultrafiltros têm aplicações em topologia, teoria de modelos e outras áreas da matemática.

Definições

Em teoria de conjuntos, seja A {\displaystyle A^{\,}} um conjunto não vazio e P ( A ) {\displaystyle {\mathcal {P}}\left(A^{\,}\right)} o conjunto de partes de A {\displaystyle A^{\,}} . Um ultrafiltro F A {\displaystyle F\subseteq A} tem as seguintes propriedades[1]:

Diagrama de Hasse do ultrafiltro principal gerado por {x}
1.  Se  x F  e  x y , então  y F  para  x , y P ( A ) {\displaystyle \mathbf {1.} {\mbox{ Se }}x\in F{\mbox{ e }}x\subseteq y{\mbox{, então }}y\in F{\mbox{ para }}x,y\in {\mathcal {P}}\left(A^{\,}\right)}
2.  Se  x , y F , então  x y F {\displaystyle \mathbf {2.} {\mbox{ Se }}x,y\in F{\mbox{, então }}x\cap y\in F}

Ou seja, F {\displaystyle F} é um filtro. Além disso, F {\displaystyle F} é próprio:

3. F P ( A ) {\displaystyle \mathbf {3.} \;\;F\neq {\mathcal {P}}\left(A^{\,}\right)}

Ou, equivalentemente:

3 . F {\displaystyle \mathbf {3^{*}.} \;\;\varnothing \not \in F}

Por último, F {\displaystyle F} é maximal:

4.  Não existe filtro próprio  G  tal que  F G  e  F G {\displaystyle \mathbf {4.} {\mbox{ Não existe filtro próprio }}G{\mbox{ tal que }}F\subseteq G{\mbox{ e }}F\neq G}

Equivalentemente, em teoria da ordem ultrafiltros são filtros maximais. Ultrafiltros tem particular importância em reticulados e Álgebra de Boole. Dado um reticulado L , {\displaystyle \left\langle L,\leq \right\rangle } um ultrafiltro F {\displaystyle F^{\,}} é um conjunto não vazio, estritamente contido em L {\displaystyle L^{\,}} , definido por[2]:

1.  Se  x F  e  x y , então  y F , para  x , y L {\displaystyle \mathbf {1.} {\mbox{ Se }}x\in F{\mbox{ e }}x\leq y{\mbox{, então }}y\in F{\mbox{, para }}x,y\in L^{\,}}
2.  Se  x , y F , então  x y F , para  x , y L {\displaystyle \mathbf {2.} {\mbox{ Se }}x,y\in F{\mbox{, então }}x\wedge y\in F{\mbox{, para }}x,y\in L^{\,}}
3.  Não existe filtro próprio  G  tal que  F G  e  F G {\displaystyle \mathbf {3.} {\mbox{ Não existe filtro próprio }}G{\mbox{ tal que }}F\subseteq G{\mbox{ e }}F\neq G}

Numa álgebra de Boole com máximo 1 I {\displaystyle 1\!{\mbox{I}}} e mínimo O {\displaystyle \mathbb {O} } , às condições anteriores são acrescentadas:

4. O F  (é filtro próprio) {\displaystyle \mathbf {4.} \;\;\mathbb {O} \not \in F{\mbox{ (é filtro próprio)}}}
5. 1 I F  (é não vazio) {\displaystyle \mathbf {5.} \;\;1\!{\mbox{I}}\in F{\mbox{ (é não vazio)}}}

Em álgebras de Boole, ultrafiltro é o conceito dual do ideal maximal.

Ultrafiltros em álgebras de Boole

Em uma álgebra de Boole B , , , , O , 1 I {\displaystyle \left\langle B,\wedge ,\vee ,-,\mathbb {O} ,1\!\,\!{\mbox{I}}\right\rangle } um filtro F {\displaystyle F^{\,}} e denominado primo se satisfaz[3]:

  •  Se  x y F , então  x F  ou  y F , para  x , y B {\displaystyle {\mbox{ Se }}x\vee y\in F{\mbox{, então }}x\in F{\mbox{ ou }}y\in F{\mbox{, para }}x,y\in B^{\,}}

Como 1 I F {\displaystyle 1\!{\mbox{I}}\in F} pela condição 5, para cada x B {\displaystyle x\in B^{\,}} temos que x x F {\displaystyle x\vee -x\in F} , de modo que a condição acima é equivalente a:

  • x F  ou  x F , para  x B {\displaystyle x\in F{\mbox{ ou }}-x\in F{\mbox{, para }}x\in B^{\,}} [4]

Além disso, pode ser demonstrado que em toda álgebra de Boole um filtro F {\displaystyle F^{\,}} é primo se e somente se F {\displaystyle F^{\,}} é um ultrafiltro,[5] ou seja, as noções de filtro primo e ultrafiltro são equivalentes em álgebras de Boole e por isso alguns autores definem ultrafiltro não como um filtro maximal, mas como um filtro primo.[6]

Teorema do ultrafiltro

Na teoria de conjuntos de Zermelo-Fraenkel com axioma da escolha, ZFC pode ser demonstrado o Teorema do ultrafiltro, cujo enunciado habitual é: "Todo filtro numa álgebra de Boole pode ser estendido a um ultrafiltro",[7] que abreviaremos TU. Ou seja, dada uma álgebra de Boole B , , , , O , 1 I {\displaystyle \left\langle B,\wedge ,\vee ,-,\mathbb {O} ,1\!\,\!{\mbox{I}}\right\rangle } e um filtro F B {\displaystyle \;\;F\subseteq B} , existe um ultrafiltro U B {\displaystyle \;\;U\!\subseteq B} tal que F U {\displaystyle F\subseteq U} . Devido à dualidade das álgebras de Boole TU é equivalente ao Teorema do ideal primo: "todo ideal numa álgebra de Boole pode ser estendido a um ideal primo".[8] Em ZF (sem o Axioma da escolha, AE) TU não pode ser demonstrado, se ZF é consistente. Entretanto, TU é estritamente mais fraco que AE em ZF:

Z F + T U A E ,  se  Z F  é consistente {\displaystyle {\mathit {ZF+TU}}\nvdash {\mathit {AE}},{\mbox{ se }}{\mathit {ZF}}{\mbox{ é consistente}}} [9]

Em álgebras de Boole, TU é equivalente a "toda álgebra de Boole contém um ultrafiltro".

Referências

  1. DRAKE (1974), p. 64 e COMFORT NEGREPONTIS (1974), p. 143.
  2. MONK (2004), p. 14. Ver também BURRIS SANKAPPANAVAR (1981), pp. 142−143 e 148.
  3. POGORZELSKI WOJTYLAK (2008), p. 12.
  4. Essa propriedade pode ser usada para uma definição alternativa de ultrafiltro, como em KOPPELBERG (1989), p. 32.
  5. MONK (2004), p. 14, e BURRIS SANKAPPANAVAR (1981), pp. 148−149.
  6. Por exemplo: LEVY (2002), p. 253.
  7. DRAKE (1974), p. 64.
  8. LEVY (2002), p. 256.
  9. HALPERN LEVY (1971).

Bibliografia

  • BURRIS, S.; SANKAPPANAVAR, H.P (1981). A course in universal algebra (em inglês). New York: Springer 
  • COMFORT, W.W.; NEGREPONTIS, S (1974). The theory of ultrafilters (em inglês). New York: Springer 
  • DRAKE, Frank R (1974). Set theory: An introduction to large cardinals (em inglês). Amsterdam: North-Holland 
  • HALPERN, J.D.; LEVY, A (1971). «The Boolean prime ideal theorem does not imply the axiom of choice». Proceedings of the Symposium in Pure Mathenatics 1967. Volume XIII. Part I: 83−134 
  • KOPPELBERG, Sabine (1989). General Theory of Boolean Algebras (em inglês). Amsterdam: North-Holland . Volume I de MONK BONNET (1989).
  • LAWSON, M.V (1998). Inverse semigroups: the theory of partial symmetries (em inglês). [S.l.]: World Scientific. ISBN 9789810233167 
  • LEVY, Azriel (2002). Basic set theory (em inglês). Mineola, New York: Dover 
  • MONK, J.D (2004). «A brief introduction to Boolean algebras» (em inglês). Consultado em 3 de março de 2012 
  • MONK, J. Donald; BONNET, Robert (1989). Handbook of Boolean Algebras (em inglês). Amsterdam: North-Holland 
  • POGORZELSKI, W.; WOJTYLAK, P (2008). Completeness theory for propositional logics (em inglês). Basel: Birkhäuser 
  • SIKORSKI, Roman (1969). Boolean Algebras (em inglês). Heildelberg: Springer Verlag 
  • STANLEY, R.P (2002). Enumerative combinatorics (em inglês). Cambridge: Cambridge University Press. ISBN 9780521663519 

Veja também

  • Filtro (teoria dos conjuntos)
  • Ideal (teoria dos anéis)
  • Ideal (teoria dos conjuntos)