Mau Tempo, Marés e Mudança

Manuel Pardal (direita) com um amigo fazendo frente ao capataz

Mau Tempo, Marés e Mudança é um documentário português de longa-metragem de Ricardo Costa, a sua primeira docuficção: uma etnoficção. A personagem central deste filme é o poeta Manuel de Brito Pardal, repentista: um dos representantes da tradição oral da literatura popular na poesia. [1] Foi publicado em 1977 um livro com poemas seus, intitulado Em Cima do Mar Salgado, edição do investigador José Ruivinho Brazão. [2]

O povoamento do território português foi desde sempre resultado de migrações humanas, que depois do século XVI se mantiveram com a colonização do Brasil, acarretando consigo hábitos não só sociais mas também culturais. A poesia popular foi um deles, reproduzindo-se aí em larga escala. [3] [4]

Na filmografia do realizador, Mau Tempo, Marés e Mudança é um filme sucedido por duas outras docuficções: O Pão e o Vinho e Brumas (o primeiro da trilogia LONGES).

Em formato televisivo, o filme divide-se em três partes: 1 – Mau Tempo, 2 – Marés, 3 – Mudança (versão TV). Estreou na RTP em 1977, integrado na série Mar Limiar, em três episódios separados.

Sinopse

Manuel Pardal, pescador na vila algarvia da Quarteira, é um poeta analfabeto, como quase todos os improvisadores populares do Alentejo e do Algarve. Tal como o bem conhecido António Aleixo, é um repentista. É o único repentista pescador de que há memória na literatura popular em Portugal.

Manuel Pardal pesca na sua lancha a remos, à qual adaptou um motor fora de borda, tal como muitos outros nessa época fizeram. Permite-lhe o motor percorrer distâncias consideravelmente maiores ao longo da costa. Pesca à linha ou com rede de emalhar peixe graúdo e miúdo. Por experiência sabe para que lado deve ir, este ou oeste, mais ao abrigo ou mais ao largo. Ganha assim a vida.

É um filósofo. A solidão e os tempos de espera no silêncio do mar fazem-no pensar. E pensa muito, o que reforça o seu sentir e o seu saber: algo que não é privilégio dos letrados, tal como nos garante Manuel Viegas Guerreiro. E não falha na letra: nem na rima nem mesmo quando encena aquilo que quer dizer. Não tem papas na língua, nem quando recita ou canta o fado. Sempre que o desafiam entra no jogo. E aqui o vemos, desenvolto, contando velhas histórias que ilustram bem os novos tempos.

Enquadramento histórico

Mau Tempo, Marés e Mudança, de Ricardo Costa, Gente da Praia da Vieira de António Campos e Trás-os-Montes (filme) de António Reis e Margarida Cordeiro são três docuficções portuguesas do mesmo ano. Os primeiros filmes do género realizados antes destes em Portugal são Maria do Mar (1930) e Ala-Arriba! (filme) (1942) de Leitão de Barros e ainda Acto da Primavera (1962), de Manoel de Oliveira.

O Acto da Primavera é uma encenação filmada de um Auto da Paixão, representado por populares da Curalha, aldeia de Trás-os-Montes. Trás-os-Montes (filme) é um documentário criado a partir de uma ideia de ficção poética. Gente da Praia da Vieira e Mau Tempo, Marés e Mudança partem para o modo ficcional por outra via. Primeiro, pela escolha do tema: a vida dos pescadores da costa de Portugal. Segundo, pela abordagem desse tema a partir de uma ideia puramente documental, isto é, filmando na essência «a vida tal e qual ela é» e depois nela introduzindo situações ficcionais. O tema dos pescadores da praia da Viera de Leiria é também abordado, além de Campos, por Ricardo Costa na sua primeira longa-metragem: Avieiros. Qualquer um destes filmes explora as técnicas do cinema directo, que se desenvolveu a partir da década de sessenta, com notáveis representantes nos Estados Unidos, Canadá e França.

Manuel Pardal, olhos nos olhos

São estes filmes obras pioneiras no seu género, como docuficção. Curiosamente, a perspectiva temática comum a todos eles, de diferentes países, é a vida das gentes do mar:

Ficha técnica

  • Argumento: Ricardo Costa
  • Realizador: Ricardo Costa
  • Produção: Ricardo Costa / RTP - 1976/77
  • Intérpretes: Manuel Pardal, família, gentes da Quarteira
  • Imagem: Ricardo Costa
  • Som: Maurício Cunha e Jorge Melo Cardoso
  • Sonoplastia: Jorge Melo Cardoso
  • Montagem: Alice Cruz
  • Laboratórios: RTP
  • Formato: 16 mm p/b
  • Género: documentário etnográfico (docuficção)
  • Duração: 90’ aprox.
  • Estreia: RTP, 1976/1977
Ficheiro:Pardal-fado.jpg
Manuel Pardal canta o fado na taverna

Festivais e projecções especiais

  • Mostra de Cinema Documental - O Algarve Documentado (Quarteira, Praça do Mar, 12 de Agosto de 2010, 21h 30,) [5]

Ver também

Referências

  1. Quarteira comemora centenário do nascimento do Poeta Pardal, Sul Informação, 11 de agosto de 2016
  2. Reeditada obra de Manuel Pardal, “a voz” dos pescadores de Quarteira – notícia do jornal Observador, 16/8/2016
  3. Cantoria, texto em inglês na Encyclopedia of Latin American History and Culture
  4. The songs improvised by the poets of the Brazilian Northeast : Tradition, urbanization, expansion, animation of a territory – artigo de Thierry Rougier, Bordeaux University
  5. Programa no Jornal do Algarve, 10/08/2010

Ligações externas

  • Mau Tempo, Marés e Mudança na IMDb
  • A etnografia no cinema em Portugal – artigo de Carlos Gomes
  • Comemorações do centenário do nascimento do poeta Pardal em Quarteira, notícia no jornal A Voz do Algarve, 10/08/2016
  • Mau Tempo, Marés e Mudança em Testemunhos do Tempo, Quarteira, agosto 2010* Centenário do Nascimento do Poeta Pardal | Projeção de um documentário sobre a sua vida no Centro Autárquico, 28/1/2017
  • Décimas, magia da poesia popular – exemplos
  • Em Cima do Mar Salgado - capa do livro (antologia, 175 páginas)
  • Em Cima do Mar Salgado - poema do livro
  • Literatura Oral Tradicional em Folha de Poesia, 11 de abril de 2007
  • Literatura popular: em torno de um conceito – importar artigo de Manuel Viegas Guerreiro
  • Manuel Viegas Guerreiro: evocação de um mestre e amigo - artigo de Maria Fonseca e Francisco Ferreira, Finisterra, XXXIII, 65, 1998, pp 7-10
  • Poesia oral com autor: um território ultraperiférico – artigo de Ruy Ventura
  • O poeta Aleixo em Oficina das Ideias
  • Quadras populares de António Aleixo
  • Poetas populares em Portal da Literatura
  • Manuel Pardal, 1916 (Quarteira)
  • Documentáro de 31 minutos da RTP (1975) da série A Gente Que Nós Somos intitulado Poeta, Pescador, Pardal
  • Things we see: Portuguese anthropology on material culture – artigo de Filomena Silvano em Etnografica, 2010